quarta-feira, 13 de abril de 2011

A consumação da barbárie



  Candido Portinari, Jesus é depositado no sepulcro, 1953.


           A tragédia que abalou Realengo na última quinta-feira despertou a atenção dos brasileiros e da comunidade internacional. Em meio aos preparativos para Copa do Mundo e para as Olimpíadas, o Rio Janeiro exibiu para o mundo um cenário de horror que coloca em xeque as questões relacionadas à segurança social e, sobretudo, à educação.
           Desde o ocorrido, uma enxurrada de explicações provenientes de especialistas dos mais diferentes campos de atuação vem buscando aclarar as motivações do crime, bem como, apontar medidas de prevenção. Não obstante o usual sensacionalismo empregado pelos meios de comunicação, sigo na tentativa de perceber as relações entre o sistema educacional e a consumação da barbárie.
          Concebo a escola como um espaço de formação, cuja especificidade está em  transmitir aos indivíduos os conhecimentos construídos ao longo da humanidade, e assim, introduzi-los nos elementos da cultura. Nesse encontro, os indivíduos se fazem sujeitos e, a partir dele, iniciam a  jornada em busca de seu lugar no mundo.  Entretanto, o modo como cada sujeito encontra sua forma de vida varia de acordo com as condições materiais às quais foi submetido, e também, ao substrato imaterial vivenciado na infância. Neste sentido, as escolas de educação infantil exercem papel formativo fundamental (quiçá um dia a sociedade se dará conta disso).
          Embora a escola seja um lugar de tensão, a maior delas está no desafio de atender às necessidades da ordem social vigente, que por si só são antagônicas. O acúmulo e expectativas em torno do papel da escola, a leva para o caminho do não saber completo, a ponto de não consiga exercer  sua função civilizatória, cujo sentido está em erradicar os sentimentos primários de agressividade, ódio e destruição que estão para além da simples obediência. Tais sentimentos são sublimados à medida que são postos em seus lugares o conhecimento e o diálogo, além do amor e da compaixão. Ao mesmo tempo em que o conhecimento abre as portas ao diálogo, desperta para o amor, para a compaixão e para a compreensão de que eu estou no outro e outro em mim. Talvez tenha sido isto que Deus queria dizer com “amar ao próximo como a si mesmo”. Há quem diga que amor é “papo de religião”. Discordo. O amor abre as portas para o conhecimento porque em um primeiro momento só é possível aprender por amor e admiração a quem ensina. Isto também começa em casa.
      Em um sistema que privilegia a competição e o imediatismo, como estabelecer o diálogo? Em uma proposta, cujo princípio é a educação de massa, como garantir um espaço de subjetividade? Em uma sociedade que os professores não são respeitados, como é possível aprender por amor? Em uma instituição que está posta para atender aos interesses da ordem social vigente,como despertar a autonomia? Se a escola tem servido como extensão da sociedade com bases fixadas aos ideais puramente capitalistas, como atuar contra a barbárie?

terça-feira, 5 de abril de 2011

Com olhos de criança

           

Candido Portinari, Meninos Brincando, 1958.
           
            Com os anos tenho aprendido que há muito mais coisas a se aprender na escola de educação infantil do que eu poderia imaginar. A verticalização dos conhecimentos sobre esta etapa da educação básica, bem como as pesquisas sobre criança, cultura e infância têm contribuído para amenizar o efeito de anos de uma educação infantil assistencialista, compensatória e pré-escolarizante.
            Estamos caminhando para uma concepção de pedagogia da infância que respeita as especificidades das crianças, compreendendo-a como sujeito histórico e social, portadora de desejos e produtora de cultura. À luz do paradigma acima descrito tenho sido diariamente convidada a perceber o mundo pelos olhos das crianças. No início pensei estar sofrendo de alguma enfermidade grave. Consultei minha analista, dobramos as sessões de análise, mas permaneci longe de qualquer resposta lógica e objetiva, tal como eu esperava.
            Em busca de uma cura milagrosa para minha doença, pensei em remédios, tomei floral, fiz sessões de Reik, acupuntura e nada. Permaneci perturbada pela enxurrada de sensações, pela incansável disposição de brincar e pela crença ingênua na salvação da humanidade, assim como nos contos de fada. Hoje, ao ouvir a leitura de um texto de Rubem Alves, no qual ele narrava a situação de uma paciente que, como eu acreditava estar louca, pude então compreender que o mal que me acomete está nos olhos. Descobri que tenho andado com olhos de criança!
            De repente o tempo do relógio tornou-se inimigo, as tardes depois da chuva se converteram em amantes, as brincadeiras com água, barro e folhas, as melhores amigas, os livros, grandes companheiros, as rodas de conversa, um desafio, a escrita do nome, uma conquista, o reconhecimento das letras, uma surpresa, a curiosidade, a companheira, um sorriso, uma dádiva divina.
            Desvendado o enigma de meu mal, inicio a busca pela cura ao contrário. O estado em que me encontro é tão benéfico que quero permanecer louca.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Professor de educação infantil troca ou não troca?



Candido Portinari, Menino de Brodowski, 1946.

             Para os educadores de infância existem muitas arestas a serem polidas para que o tão sonhado encontro entre cuidado e educação se torne realidade. Passados 75 anos da educação infantil na cidade de São Paulo ainda se fazem ouvir as dissonâncias entre cuidar e educar. O binômio instaurado em 1998 através do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil atenta para a necessidade da integração entre esses dois pólos, os quais estiveram opostos por muitos anos no campo da educação infantil.
            A profissionalização da carreira do magistério e a conseqüente negação da prática da maternagem  repelem alguns fazeres (inerente ao ato de cuidar), um destes casos é a troca. E seguindo a idéia de que quanto mais perto da criança menor o valor da função (e do salário também) conforma-se  a seguinte questão: professor de educação infantil troca ou não troca?
            A discussão é acirrada e não raramente encontramos equipes escolares inteiras se digladiando para decidir quem é aquele que vai por a mão na m.... Outras mais tecnológicas apelam ao telefone para informam à família de que devem buscar a criança na escola, dada a impossibilidade de solucionar o “im – previsto”. E enquanto isso, a criança molhada e envergonhada espera por uma boa alma que possa fazer o serviço sujo, ou melhor, limpo.
            Os desencontros entre cuidado e educação se legitimam e eu sigo com minha  questão: professor de educação infantil troca ou não troca?