quarta-feira, 16 de novembro de 2011

História Oral - reconstruindo sujeitos

Candido Portinari. Samba, 1956.

            Entre as filhas de Clio, a musa da história, está a História Oral. De reputação ainda pouco conhecida entre os não participantes da academia e às vezes negligenciada  por aqueles que integram a categoria acima descrita. Ela vem no âmbito da história do “tempo presente” contribuindo para o avanço da ciência e criando possibilidades para o debate. Tem como foco as histórias de vida de pessoas, cujas narrativas se convertem em documentos que são legitimados pelas mãos do oralista. Assim, na ânsia de construir versões sobre a realidade ele ajuda ao narrador a reconstruir a própria trajetória. Eis aqui, quiçá, um importante ponto de congruência  com as ciências da educação. E, é nas relações entre ambas que circulam meus interesses atuais. Como fazer História Oral com crianças?
            Em sua grande maioria, os trabalhos que abrangem o estudo sobre a infância são representações de visões adultocêntricas sobre as crianças, seus fazeres e saberes. No entanto, produções nas áreas da antropologia, da sociologia e da história oral vêm apontando uma nova forma de se falar sobre a infância – através do olhar das próprias crianças. Neste sentido, a produção de conhecimento sobre grupo se dá no diálogo com seus envolvidos. Desta forma, no lugar de produzir “sobre”, a possibilidade de produzir “com”. Aí está a beleza da coisa. Essa nova forma de investigação permite ao pesquisador participar da comunidade escolhida para o estudo e pela ótica de “dentro”.
            Entretanto, a dinâmica impressa pela ordem social vigente se reflete nos currículos, nos tempos e nos espaços da escola, contribuindo, inclusive, para a deteriorização dos tempos da infância. Cada vez mais, as obrigações com práticas alfabetizatórias, em detrimento do brincar, ocupam o cotidiano de nossas crianças. Aulas extensas sobre como ler e escrever esvaziam o espaço do diálogo tornando as salas, em tese, espaços de construção de saberes, em um mar de absoluto silêncio.
            Por fim, a participação no Seminário Internacional NEHO 20 anos: História Oral, Identidade e Compromisso contribuiu  para minha formação de educadora apontando para a imprescindibilidade da manutenção do diálogo e da escuta atenta ao texto do narrador. Somente através de uma postura sensível ao discurso do outro que se pode  acessar as suas experiências, as memórias e, no caso das crianças, auxilia-las na construção de suas identidades. Fazer História Oral com crianças é dar voz  àqueles que por muitos anos estiveram emudecidos.

Solidão

 
 
Toulouse
Retrato de Vincent van Gogh (1887)
 
 
              Fazia algum tempo que não escrevia, me faltava inspiração. Andei cansada, calada, porém, menos sozinha do que as protagonistas depressivas de algumas séries de tv. Todavia, sozinha o suficiente para pensar em algumas coisas que só pensamos quando estamos sozinhos. Assim, estes momentos de solidão me permitiram catalogar as diferentes percepções que a solidão propicia.
           O início é marcado pela tristeza, como se um grande e volumoso cinza permanecesse sobre sua cabeça, afundando todo seu corpo no chão.  Talvez seja esta fase inicial a mais dolorosa. Nesta fase também se pode mensurar o valor daquilo que compõem o não ser só. Depois vem a elaboração. Neste período se pode avaliar “como é ser só”, mesmo estando cercado de muitos outros. Por fim, a aceitação da solidão. Ao meu ver, das fases a mais encantadora e também perigosa. Nela a gente aprende a ser sozinho e descobre que ficar sozinho também é bom. Porque na solidão a gente se encontra.
           
 
 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tristeza e indignação

     
   

 Candido Portinari, Cabeça, 1955.


          Há algumas semanas, ao abrir o link de um conceituado jornal da cidade, não pude conter minha indignação frente à notícia que informava sobre a morte de mais um coletor de materiais recicláveis.  O local, as vítimas e as características do crime eram semelhantes. Ambos os casos ocorreram na região do Brás e as vítimas coincidentemente foram encontradas carbonizadas dentro de suas carrocinhas. Apesar da similaridade a polícia investiga se o ocorrido tem origem criminosa.
           O que mais me chama a atenção é a simplicidade com a qual  notícias como estas são apresentadas ao público e da pouca ou nenhuma repercussão nos meios de comunicação de massa.  O tratamento dado aos casos denuncia a indiferença frente à vida destas pessoas que por razões diversas vivem em situação de rua e têm como teto um pedaço de papelão.
           Não se sabe a motivação do crime, mas seja qual for revela a frieza e a perversidade de um indivíduo incapaz de lidar com a sua infelicidade, e que, ao dar fim a vida de um outro sente-se realizado ao ver  transformando-se em fumaça aquilo que representa sua própria miséria.

sábado, 7 de maio de 2011

O prazer da brincadeira

Candido Portinari, Meninos soltando pipa, 1952.


            Muitos daqueles que escrevem sobre cultura e educação tratam a brincadeira como uma aquisição cultural, ou seja, uma ação ensinada e aprendida por meio das interações entre os sujeitos. Tal pressuposto tem servido à educação no sentido de sensibilizar os profissionais da área para a importância do brincar e das  brincadeiras em contexto pedagógico, sobretudo, na primeira infância. Em tese, alertam sobre seus benefícios para a construção de um sujeito saudável, bem como recomendam a prática como coadjuvante no processo civilizatório. O acesso aos conhecimentos é abundante, haja vista, a imensa produção acadêmica sobre o tema. Entretanto, a prática ainda permanece obscura, pelo simples fato de haver uma distância considerável entre conhecer e saber.
            A gente pode ter conhecimento sobre vários assuntos, mas saber é diferente. O saber está relacionado  à experiência. Ninguém em sã consciência entregaria seus cabelos a um cabeleireiro que apenas conhece sobre cortes, ao passo que não teria dúvidas para freqüentar um outro que sabe fazer cortes incríveis.  Digamos que o conhecimento é o lado teórico do saber, enquanto que o saber é um conhecimento essencialmente prático.
            Com a brincadeira é igual, há aqueles que conhecem sobre o brincar e os que sabem brincar. Neste sentido, conhecer não é suficiente, pois brincar exige disponibilidade, envolvimento e ação. Precisa estar presente, inteiro, de corpo todo. As crianças e os animais fazem isso muito bem, mas para nós adultos é uma missão quase impossível. Raramente nos dispomos à brincadeira, estamos sempre apressados, sempre cansados, sempre sérios, sempre adultos! Aos poucos vamos deixando de brincar e nos esquecemos do prazer e da alegria que a brincadeira proporciona.
            Ficamos apenas com o conhecimento e deixamos o saber e sem saber nos entristecemos sem saber o porquê.
           

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A consumação da barbárie



  Candido Portinari, Jesus é depositado no sepulcro, 1953.


           A tragédia que abalou Realengo na última quinta-feira despertou a atenção dos brasileiros e da comunidade internacional. Em meio aos preparativos para Copa do Mundo e para as Olimpíadas, o Rio Janeiro exibiu para o mundo um cenário de horror que coloca em xeque as questões relacionadas à segurança social e, sobretudo, à educação.
           Desde o ocorrido, uma enxurrada de explicações provenientes de especialistas dos mais diferentes campos de atuação vem buscando aclarar as motivações do crime, bem como, apontar medidas de prevenção. Não obstante o usual sensacionalismo empregado pelos meios de comunicação, sigo na tentativa de perceber as relações entre o sistema educacional e a consumação da barbárie.
          Concebo a escola como um espaço de formação, cuja especificidade está em  transmitir aos indivíduos os conhecimentos construídos ao longo da humanidade, e assim, introduzi-los nos elementos da cultura. Nesse encontro, os indivíduos se fazem sujeitos e, a partir dele, iniciam a  jornada em busca de seu lugar no mundo.  Entretanto, o modo como cada sujeito encontra sua forma de vida varia de acordo com as condições materiais às quais foi submetido, e também, ao substrato imaterial vivenciado na infância. Neste sentido, as escolas de educação infantil exercem papel formativo fundamental (quiçá um dia a sociedade se dará conta disso).
          Embora a escola seja um lugar de tensão, a maior delas está no desafio de atender às necessidades da ordem social vigente, que por si só são antagônicas. O acúmulo e expectativas em torno do papel da escola, a leva para o caminho do não saber completo, a ponto de não consiga exercer  sua função civilizatória, cujo sentido está em erradicar os sentimentos primários de agressividade, ódio e destruição que estão para além da simples obediência. Tais sentimentos são sublimados à medida que são postos em seus lugares o conhecimento e o diálogo, além do amor e da compaixão. Ao mesmo tempo em que o conhecimento abre as portas ao diálogo, desperta para o amor, para a compaixão e para a compreensão de que eu estou no outro e outro em mim. Talvez tenha sido isto que Deus queria dizer com “amar ao próximo como a si mesmo”. Há quem diga que amor é “papo de religião”. Discordo. O amor abre as portas para o conhecimento porque em um primeiro momento só é possível aprender por amor e admiração a quem ensina. Isto também começa em casa.
      Em um sistema que privilegia a competição e o imediatismo, como estabelecer o diálogo? Em uma proposta, cujo princípio é a educação de massa, como garantir um espaço de subjetividade? Em uma sociedade que os professores não são respeitados, como é possível aprender por amor? Em uma instituição que está posta para atender aos interesses da ordem social vigente,como despertar a autonomia? Se a escola tem servido como extensão da sociedade com bases fixadas aos ideais puramente capitalistas, como atuar contra a barbárie?

terça-feira, 5 de abril de 2011

Com olhos de criança

           

Candido Portinari, Meninos Brincando, 1958.
           
            Com os anos tenho aprendido que há muito mais coisas a se aprender na escola de educação infantil do que eu poderia imaginar. A verticalização dos conhecimentos sobre esta etapa da educação básica, bem como as pesquisas sobre criança, cultura e infância têm contribuído para amenizar o efeito de anos de uma educação infantil assistencialista, compensatória e pré-escolarizante.
            Estamos caminhando para uma concepção de pedagogia da infância que respeita as especificidades das crianças, compreendendo-a como sujeito histórico e social, portadora de desejos e produtora de cultura. À luz do paradigma acima descrito tenho sido diariamente convidada a perceber o mundo pelos olhos das crianças. No início pensei estar sofrendo de alguma enfermidade grave. Consultei minha analista, dobramos as sessões de análise, mas permaneci longe de qualquer resposta lógica e objetiva, tal como eu esperava.
            Em busca de uma cura milagrosa para minha doença, pensei em remédios, tomei floral, fiz sessões de Reik, acupuntura e nada. Permaneci perturbada pela enxurrada de sensações, pela incansável disposição de brincar e pela crença ingênua na salvação da humanidade, assim como nos contos de fada. Hoje, ao ouvir a leitura de um texto de Rubem Alves, no qual ele narrava a situação de uma paciente que, como eu acreditava estar louca, pude então compreender que o mal que me acomete está nos olhos. Descobri que tenho andado com olhos de criança!
            De repente o tempo do relógio tornou-se inimigo, as tardes depois da chuva se converteram em amantes, as brincadeiras com água, barro e folhas, as melhores amigas, os livros, grandes companheiros, as rodas de conversa, um desafio, a escrita do nome, uma conquista, o reconhecimento das letras, uma surpresa, a curiosidade, a companheira, um sorriso, uma dádiva divina.
            Desvendado o enigma de meu mal, inicio a busca pela cura ao contrário. O estado em que me encontro é tão benéfico que quero permanecer louca.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Professor de educação infantil troca ou não troca?



Candido Portinari, Menino de Brodowski, 1946.

             Para os educadores de infância existem muitas arestas a serem polidas para que o tão sonhado encontro entre cuidado e educação se torne realidade. Passados 75 anos da educação infantil na cidade de São Paulo ainda se fazem ouvir as dissonâncias entre cuidar e educar. O binômio instaurado em 1998 através do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil atenta para a necessidade da integração entre esses dois pólos, os quais estiveram opostos por muitos anos no campo da educação infantil.
            A profissionalização da carreira do magistério e a conseqüente negação da prática da maternagem  repelem alguns fazeres (inerente ao ato de cuidar), um destes casos é a troca. E seguindo a idéia de que quanto mais perto da criança menor o valor da função (e do salário também) conforma-se  a seguinte questão: professor de educação infantil troca ou não troca?
            A discussão é acirrada e não raramente encontramos equipes escolares inteiras se digladiando para decidir quem é aquele que vai por a mão na m.... Outras mais tecnológicas apelam ao telefone para informam à família de que devem buscar a criança na escola, dada a impossibilidade de solucionar o “im – previsto”. E enquanto isso, a criança molhada e envergonhada espera por uma boa alma que possa fazer o serviço sujo, ou melhor, limpo.
            Os desencontros entre cuidado e educação se legitimam e eu sigo com minha  questão: professor de educação infantil troca ou não troca?



terça-feira, 1 de março de 2011

A questão da oralidade

       "Você é minha menina linda,
você é o meu grande amor..." *


Candido Portinari, Mãe, 1936.

Posso afirmar que sempre tive um "Q" pela linguagem verbal.  Acredito que tudo começou muito antes de eu nascer. Entre os cantos e contos de  meus pais, a leitura atenciosa das cartas enviadas pela minha avó paterna regadas às preces e repletas de votos de boas vindas ao bebê. Cantigas e longas conversas marcaram minha existência intra-uterina, depois, os livros, as músicas antigas, as orações e as histórias que o povo conta e assim foram criados os laços, e também, os nós.
Evidentemente, essa visão retrospectiva se deve aos meus encontros com Lacan e com Winnicott. Para o primeiro “a linguagem determina o sentido e gera as estruturas da mente, (...) ao mesmo tempo que a linguagem é estruturante do inconsciente, este também é estruturado como linguagem” (ZIMERMAN, 2001, p. 385). A relação dialética estabelecida entre linguagem e mente se sustenta pela interação entre o sujeito e um Outro.[1] Esta interação se apóia na fala como discurso, o que implica em dirigir-se à alguém  tendo como expectativa uma resposta.
           Através da língua é permitido ao sujeito mobilizar uma série de combinações e seleções[2], que vão auxiliar na construção dos significados, os quais são estabelecidos quando o sujeito opera a cadeia de significantes. Nas palavras de Ferreira  (2002, p. 123), “é no discurso que os significantes se amarram, produzindo como efeito desta amarração o significado”. Mediante isso, o ingresso da criança no mundo das palavras ocorre através da formação de símbolos, estes contemplam os conceitos que contempla a coisa em si e seu nome. Os símbolos também são compreendidos como elementos que representam algo para alguém; apesar de possuir caráter subjetivo também estão marcados pelo olhar do outro que os nomeou.
          Se aplicarmos o conceito winnicottiano de “objeto transicional” à linguagem oral verifica-se que esta pode se conforma como tal, dada sua capacidade de intermediar a realidade interna e externa.  A relevância da presente constatação se valida ao passo que a teoria desenvolvida por Winnicott considera a existência e de uma terceira parte da vida humana, entre a realidade interna e a externa, que se forma no limite intermediário entre uma e outra. Para o autor: "trata-se de uma área que não é disputada, porque nenhuma reivindicação é feita em seu nome, exceto que ela exista como lugar de repouso para o indivíduo empenhado na perpétua tarefa humana de manter as realidades interna e externa separadas, ainda que inter-relacionadas" (Winnicott, p. 15, 1975). 
          Neste sentido, as primeiras palavras proferidas pela mãe ao bebê se configuram justamente nesta área intermediária “entre aquilo que é objetivamente percebido e aquilo que é subjetivamente concebido”. (Winnicott, p.26, 1975). A palavra  exerce a função de objeto  transicional  auxiliando a interação do indivíduo com o mundo externo e apoiando o processo de construção do eu.
          E foi assim, por meio das palavras meus pais exerceram as funções paterna e materna de um modo tão suficientemente bom que pude através das palavras me reconhecer enquanto sujeito composto de carne, osso e alma.

 * Verso de autor desconhecido, cantado por minha mãe antes de eu nascer.

Bibliografia consultada:

FERREIRA, Nadiá Paulo. “Jacques Lacan: Apropriação e  subversão da Lingüística” Ágora V. V N. 1 Jan/Jun 2002 113-132.
WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.
ZIMERMAN, David E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
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[1] Lacan cunhou uma terminologia específica, grafada de duas maneiras (Outro/outro). Utiliza pequeno outro, para aludir mais diretamente à alteridade, ou seja, a relação do sujeito com seu meio, com seu desejo e com os objetos (mãe, pai, irmãos).Em oposição  a isso, Lacan descreve o grande Outro para designar um lugar simbólico que, tanto pode ser um significante, a lei, o nome, a linguagem, o inconsciente, ou ainda Deus, que determina o sujeito, tanto inter como intra-subjetivamente, em sua relação com o desejo. O grande Outro, quando evocado pela criança, impede que se perpetue a ligação diática com a mãe e estabelecendo os limites entre as gerações do filho e a dos pais (Zimerman, 2001 p.308).
[2] Assim como Lacan se apropriou de termos utilizados por Saussure, o fez com seleção e combinação de Roman Jakobson que, “define a linguagem a partir de duas operações, que presidem todo ato de fala: a seleção e a combinação. (...) 1. A seleção de palavras e de outras entidades lingüísticas se realiza através de associações feitas por identidade (semelhança) e por oposição (diferença). de associação são chamadas de similaridade.(...) 2. A combinação de unidades lingüísticas já selecionadas cria um contexto, estabelecendo um modo de organização, em que a posição de um significante em relação aos outros determina a produção do sentido”.Ver (FERREIRA, 2002, p. 113-132).
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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Tudo tem seu tempo



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Candido Portinari. "Menino com pião". 1947. Óleo/tela


Ontem estive em reunião com os pais das crianças da turma de cinco anos, a qual compartilho com outra professora: uma colega fantástica, com quem aprendo muito sobre como cuidar.
Entre os vais e vens da pauta, um pai em uma dúvida sincera me perguntou:
- Meu filho vai sair alfabetizado desta escola?
            Na ocasião, preferi não entrar em uma discussão teórica sobre os sentidos da palavra alfabetização e todos seus descendentes. Por um istante não soube de pronto o que responder ao pai, mas nada que ultrapassasse mais de dez segundos... pode ser que tenha demorado um pouco mais, pois diante minha hesitação, o pai perguntou-me novamente, porém com outras palavras:
- Meu filho vai sair lendo e escrevendo?
Embora manifesta apenas por ele, a pergunta se fazia presente no olhar de cada um dos adultos, que atentos aguardavam a minha resposta.
Embora a questão da alfabetização na escola de educação infantil, seja tema já superado entre estudiosos da infância, ainda é alvo de discussões entre pais e professores. Para mim, é uma questão de escolha.
A expectativa de vida dos brasileiros têm aumentado dia-a-dia,de modo que a cada dia temos mais dias de vida. Vida que pode durar em muitos casos mais de noventa anos. É muito tempo para um corpo tão frágil como o dos humanos.
Pois bem, toda vez que vejo um velho (não gostos de eufemismos) imagino como seria se cada um deles resolvessem passar a tarde desenhando sem se preocupar com a hora ou com a quantidade de folhas gastas, se pintassem seus corpos com tintas e saíssem correndo aos risos, pelados, se brincassem na chuva ou fizessem comidinha de barro, se falasse com as coisas como se estas tivessem vida ou que girassem em torno de si próprio até cair no chão...
Com toda certeza não seriam bem vistos. E na pior das hipóteses diagnosticados como dementes ou portadores de alguma doença senil.Tais atitudes também não são bem aceitas entre adultos e quando ocorrem denominamos “loucura”. Contudo, há um universo onde isto é possível, onde a fantasia é bem-vinda, onde o tempo é determinado pelo prazer, onde a censura pouco importa. Seu nome?
Infância.
Ah! Sobre a pergunta do pai?
- Tudo tem seu tempo!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Os sete equívocos da educação

A ampliação de vagas na educação básica surtiu alguns efeitos no cenário educacional brasileiro. De um lado, possibilitou o acesso de milhares de crianças aos bancos escolares, do outro, favoreceu o crescimento de cursos vapt-vupt de formação de professores, cujo interesse maior é despejar no mercado a mão – de - obra necessária para a manutenção do sistema. E assim é... incapazes de agir criticamente e algumas vezes com deficiências significativas no próprio processo “alfabetizatório” rumam para as escolas para perpetuar alguns ou todos (nos casos mais graves) o que denominei de “os sete equívocos da educação”.

O primeiro deles refere-se a idéia de que “não há distinção entre professor e aluno", ou “somos todos iguais”. O segundo diz respeito ao emprego do conceito psicológico de “frustração e trauma”; o terceiro, a “infantilização” das crianças” ( parece pleonástico, mas não é) ; o quarto, a criança como um “vir – a - ser”, algo que ainda não é, mas que um dia tornar-se-á: adulto; quinto, está ligado ao desejo de “ensinar a escrita, antes que se opere o milagre da fala” sexto, “confiar que toda educação vem de casa”; o sétimo, mas não menos importante, “relegar a alegria do brinquedo ao último plano”.

Se pensarmos a educação como um processo de transmissão dos conhecimentos construídos ao longo das gerações e transmitidos às gerações mais novas por aqueles que pertencem a uma geração distinta, torna-se imperativo que os professores assumam a diferença existente entre quem ensina e quem aprende. Isto não anula a possibilidade de uma aprendizagem conjunta, porém, valida a autoridade da voz de quem fala em nome da cultura.

A insuficiência da pedagogia enquanto ciência faz com que esta área se aproprie de conhecimentos construídos por outras ciências, o que é muito bom. São numerosas as contribuições da sociologia, da biologia, da história entre outras ciências que têm os seres humanos como objeto de observação. Entretanto, conceitos psicológicos como os de “frustração” e “trauma” deveriam ser abolidos do ambiente escolar. Isto não impede que o professor tenha um olhar sensível sobre o aluno, mas que tenha a certeza de que a educação consiste no recalque e que as repressões são necessárias para a construção do eu e para a busca da satisfação nos elementos da cultura. O NÃO é necessário, ele nos guia à liberdade e nos dá a disciplina, caminho para a comunhão.

A expressão “infantilização das crianças” , como já referido acima, pode parecer um pleonasmo, mas não é. Diz respeito ao olhar adultocêntrico sobre as ações e manifestações infantis. Neste caso, por considerarem que as crianças são incapazes de compreender a língua materna do modo como esta se apresenta, inventam vozes e criam mudanças fonéticas inconcebíveis em um ambiente adulto. A infantilização também se configura pela imposição de músicas infantis cantadas em tons agudíssimos e por filmes cujo foco é a repetição e o treino. Tais ações manifestam a concepção de que a criança é um “vir-a ser”, o quarto aspecto desta discussão. Em posição oposta, está a pedagogia da infância, cujo princípio está em observar, analisar e discutir as manifestações próprias das crianças, as quais possuem especificidades de pensamento e numerosas peculiaridades. Diante tal afirmação, o pensamento de que as crianças nada sabem torna-se impraticável.

Ensinar a escrita é de fato uma das mais belas funções da escola, entretanto, há de ser tem mente que está é o fim de um processo que se inicia com a aprendizagem da língua materna (ver link “Estudos da Língua Falada” uma entrevista do Professor Ataliba Teixeira de Castilho).

Uma das funções da escola é fazer a passagem do privado para o público, do particular para o coletivo. Dessa maneira, a escola é responsável por inserir os indivíduos na cultura, a fim de que possam construir-se como sujeitos, capazes de exercer seus direitos e cumprir seus deveres. A educação não pode ser encarada como algo estático, mas como um processo de ensino e aprendizagem que está em constante movimento e que quando bem sucedido pode nos livrar dos dissabores da barbárie.

Por fim, a alegria do brinquedo! Que ele esteja sempre presente, pois é a ferramenta que nos liga aos dois mundos, o dentro e o de fora.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

EDUCATE TE


Educate te

Educate te” em latim quer dizer educar a si próprio. A expressão é bem polêmica e antes de prosseguir com minha escrita, convém ressaltar que tenho a consciência de que o título deste blog e do escrito em questão pode despertar furor em alguns educadores, principalmente àqueles que se identifiquem com a filosofia do mestre Paulo Freire, quem afirmou categoricamente: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo." Compreendo o sentido da colocação freiriana e me ponho como admiradora  da obra e dos pressupostos por ele deixados, porém,  após uma década de magistério a paródia sobre a inscrição socrática faz todo sentido.
Assim, com um olhar de observador capcioso permito-me a seguinte alusão: educar implica na transmissão dos conhecimentos adquiridos pela humanidade ao longo da civilização e para que esses saberes passem de geração em geração é necessário que o transmissor seja pleno conhecedor da memória coletiva do grupo ao qual pertence e também de sua história pessoal, antes de educar aos outros é necessário conhecer a si mesmo ou melhor saber de si próprio, de seus desejos, medos e satisfações.
            Ouço coordenadores de escola inconformados com a prática de alguns de seus professores. Afirmam não compreender porque mesmo depois de inúmeros cursos de capacitação e reciclagem (nomes pouco próprios para se referir à formação de pessoas) alguns professores seguem exercendo seu fazer do mesmo modo, por anos e anos, até que a aposentadoria os separe. A constatação é legítima, pois há uma distância significativa entre conhecer e saber. Pode-se conhecer por meio dos livros, através da televisão ou do computador, mas saber não, saber tem a ver com o corpo, com as vivências desse corpo e com tudo aquilo que se permite saborear e viver.
            Além de português e matemática, a escola deveria se preocupar com outras coisas. Rubem Alves, em A casa – A escola diz: “Assim são os saberes: ferramentas. Ninguém aprende ferramenta para aprender ferramenta. O sentido da ferramenta é o seu uso na prática. O sentido de um saber é seu uso na prática. Rubem Alves, em A casa – A escola diz: “Assim são os saberes: ferramentas. Ninguém aprende ferramenta para aprender ferramenta. O sentido da ferramenta é o seu uso na prática. O sentido de um saber é seu uso na prática, assim, o sentido de educar a si próprio é aprender sobre si para saber do outro e no encontro com o outro saber cada vez mais de si.
            Neste sentido, compartilho do mesmo sentimento que Rubem Alves quando este afirma que a escola deveria ensinar outras coisas. Além do bom  e velho português, poderia se ensinar  sobre a sabedoria da memória, sobre a suavidade da alegria , sobre o exercício da paciência, sobre o valor da  escuta, inclusive, da escuta da voz do coração.
            É por isto e por outras razões que insisto: EDUCATE TE.