quarta-feira, 16 de novembro de 2011

História Oral - reconstruindo sujeitos

Candido Portinari. Samba, 1956.

            Entre as filhas de Clio, a musa da história, está a História Oral. De reputação ainda pouco conhecida entre os não participantes da academia e às vezes negligenciada  por aqueles que integram a categoria acima descrita. Ela vem no âmbito da história do “tempo presente” contribuindo para o avanço da ciência e criando possibilidades para o debate. Tem como foco as histórias de vida de pessoas, cujas narrativas se convertem em documentos que são legitimados pelas mãos do oralista. Assim, na ânsia de construir versões sobre a realidade ele ajuda ao narrador a reconstruir a própria trajetória. Eis aqui, quiçá, um importante ponto de congruência  com as ciências da educação. E, é nas relações entre ambas que circulam meus interesses atuais. Como fazer História Oral com crianças?
            Em sua grande maioria, os trabalhos que abrangem o estudo sobre a infância são representações de visões adultocêntricas sobre as crianças, seus fazeres e saberes. No entanto, produções nas áreas da antropologia, da sociologia e da história oral vêm apontando uma nova forma de se falar sobre a infância – através do olhar das próprias crianças. Neste sentido, a produção de conhecimento sobre grupo se dá no diálogo com seus envolvidos. Desta forma, no lugar de produzir “sobre”, a possibilidade de produzir “com”. Aí está a beleza da coisa. Essa nova forma de investigação permite ao pesquisador participar da comunidade escolhida para o estudo e pela ótica de “dentro”.
            Entretanto, a dinâmica impressa pela ordem social vigente se reflete nos currículos, nos tempos e nos espaços da escola, contribuindo, inclusive, para a deteriorização dos tempos da infância. Cada vez mais, as obrigações com práticas alfabetizatórias, em detrimento do brincar, ocupam o cotidiano de nossas crianças. Aulas extensas sobre como ler e escrever esvaziam o espaço do diálogo tornando as salas, em tese, espaços de construção de saberes, em um mar de absoluto silêncio.
            Por fim, a participação no Seminário Internacional NEHO 20 anos: História Oral, Identidade e Compromisso contribuiu  para minha formação de educadora apontando para a imprescindibilidade da manutenção do diálogo e da escuta atenta ao texto do narrador. Somente através de uma postura sensível ao discurso do outro que se pode  acessar as suas experiências, as memórias e, no caso das crianças, auxilia-las na construção de suas identidades. Fazer História Oral com crianças é dar voz  àqueles que por muitos anos estiveram emudecidos.

Solidão

 
 
Toulouse
Retrato de Vincent van Gogh (1887)
 
 
              Fazia algum tempo que não escrevia, me faltava inspiração. Andei cansada, calada, porém, menos sozinha do que as protagonistas depressivas de algumas séries de tv. Todavia, sozinha o suficiente para pensar em algumas coisas que só pensamos quando estamos sozinhos. Assim, estes momentos de solidão me permitiram catalogar as diferentes percepções que a solidão propicia.
           O início é marcado pela tristeza, como se um grande e volumoso cinza permanecesse sobre sua cabeça, afundando todo seu corpo no chão.  Talvez seja esta fase inicial a mais dolorosa. Nesta fase também se pode mensurar o valor daquilo que compõem o não ser só. Depois vem a elaboração. Neste período se pode avaliar “como é ser só”, mesmo estando cercado de muitos outros. Por fim, a aceitação da solidão. Ao meu ver, das fases a mais encantadora e também perigosa. Nela a gente aprende a ser sozinho e descobre que ficar sozinho também é bom. Porque na solidão a gente se encontra.
           
 
 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Tristeza e indignação

     
   

 Candido Portinari, Cabeça, 1955.


          Há algumas semanas, ao abrir o link de um conceituado jornal da cidade, não pude conter minha indignação frente à notícia que informava sobre a morte de mais um coletor de materiais recicláveis.  O local, as vítimas e as características do crime eram semelhantes. Ambos os casos ocorreram na região do Brás e as vítimas coincidentemente foram encontradas carbonizadas dentro de suas carrocinhas. Apesar da similaridade a polícia investiga se o ocorrido tem origem criminosa.
           O que mais me chama a atenção é a simplicidade com a qual  notícias como estas são apresentadas ao público e da pouca ou nenhuma repercussão nos meios de comunicação de massa.  O tratamento dado aos casos denuncia a indiferença frente à vida destas pessoas que por razões diversas vivem em situação de rua e têm como teto um pedaço de papelão.
           Não se sabe a motivação do crime, mas seja qual for revela a frieza e a perversidade de um indivíduo incapaz de lidar com a sua infelicidade, e que, ao dar fim a vida de um outro sente-se realizado ao ver  transformando-se em fumaça aquilo que representa sua própria miséria.

sábado, 7 de maio de 2011

O prazer da brincadeira

Candido Portinari, Meninos soltando pipa, 1952.


            Muitos daqueles que escrevem sobre cultura e educação tratam a brincadeira como uma aquisição cultural, ou seja, uma ação ensinada e aprendida por meio das interações entre os sujeitos. Tal pressuposto tem servido à educação no sentido de sensibilizar os profissionais da área para a importância do brincar e das  brincadeiras em contexto pedagógico, sobretudo, na primeira infância. Em tese, alertam sobre seus benefícios para a construção de um sujeito saudável, bem como recomendam a prática como coadjuvante no processo civilizatório. O acesso aos conhecimentos é abundante, haja vista, a imensa produção acadêmica sobre o tema. Entretanto, a prática ainda permanece obscura, pelo simples fato de haver uma distância considerável entre conhecer e saber.
            A gente pode ter conhecimento sobre vários assuntos, mas saber é diferente. O saber está relacionado  à experiência. Ninguém em sã consciência entregaria seus cabelos a um cabeleireiro que apenas conhece sobre cortes, ao passo que não teria dúvidas para freqüentar um outro que sabe fazer cortes incríveis.  Digamos que o conhecimento é o lado teórico do saber, enquanto que o saber é um conhecimento essencialmente prático.
            Com a brincadeira é igual, há aqueles que conhecem sobre o brincar e os que sabem brincar. Neste sentido, conhecer não é suficiente, pois brincar exige disponibilidade, envolvimento e ação. Precisa estar presente, inteiro, de corpo todo. As crianças e os animais fazem isso muito bem, mas para nós adultos é uma missão quase impossível. Raramente nos dispomos à brincadeira, estamos sempre apressados, sempre cansados, sempre sérios, sempre adultos! Aos poucos vamos deixando de brincar e nos esquecemos do prazer e da alegria que a brincadeira proporciona.
            Ficamos apenas com o conhecimento e deixamos o saber e sem saber nos entristecemos sem saber o porquê.
           

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A consumação da barbárie



  Candido Portinari, Jesus é depositado no sepulcro, 1953.


           A tragédia que abalou Realengo na última quinta-feira despertou a atenção dos brasileiros e da comunidade internacional. Em meio aos preparativos para Copa do Mundo e para as Olimpíadas, o Rio Janeiro exibiu para o mundo um cenário de horror que coloca em xeque as questões relacionadas à segurança social e, sobretudo, à educação.
           Desde o ocorrido, uma enxurrada de explicações provenientes de especialistas dos mais diferentes campos de atuação vem buscando aclarar as motivações do crime, bem como, apontar medidas de prevenção. Não obstante o usual sensacionalismo empregado pelos meios de comunicação, sigo na tentativa de perceber as relações entre o sistema educacional e a consumação da barbárie.
          Concebo a escola como um espaço de formação, cuja especificidade está em  transmitir aos indivíduos os conhecimentos construídos ao longo da humanidade, e assim, introduzi-los nos elementos da cultura. Nesse encontro, os indivíduos se fazem sujeitos e, a partir dele, iniciam a  jornada em busca de seu lugar no mundo.  Entretanto, o modo como cada sujeito encontra sua forma de vida varia de acordo com as condições materiais às quais foi submetido, e também, ao substrato imaterial vivenciado na infância. Neste sentido, as escolas de educação infantil exercem papel formativo fundamental (quiçá um dia a sociedade se dará conta disso).
          Embora a escola seja um lugar de tensão, a maior delas está no desafio de atender às necessidades da ordem social vigente, que por si só são antagônicas. O acúmulo e expectativas em torno do papel da escola, a leva para o caminho do não saber completo, a ponto de não consiga exercer  sua função civilizatória, cujo sentido está em erradicar os sentimentos primários de agressividade, ódio e destruição que estão para além da simples obediência. Tais sentimentos são sublimados à medida que são postos em seus lugares o conhecimento e o diálogo, além do amor e da compaixão. Ao mesmo tempo em que o conhecimento abre as portas ao diálogo, desperta para o amor, para a compaixão e para a compreensão de que eu estou no outro e outro em mim. Talvez tenha sido isto que Deus queria dizer com “amar ao próximo como a si mesmo”. Há quem diga que amor é “papo de religião”. Discordo. O amor abre as portas para o conhecimento porque em um primeiro momento só é possível aprender por amor e admiração a quem ensina. Isto também começa em casa.
      Em um sistema que privilegia a competição e o imediatismo, como estabelecer o diálogo? Em uma proposta, cujo princípio é a educação de massa, como garantir um espaço de subjetividade? Em uma sociedade que os professores não são respeitados, como é possível aprender por amor? Em uma instituição que está posta para atender aos interesses da ordem social vigente,como despertar a autonomia? Se a escola tem servido como extensão da sociedade com bases fixadas aos ideais puramente capitalistas, como atuar contra a barbárie?

terça-feira, 5 de abril de 2011

Com olhos de criança

           

Candido Portinari, Meninos Brincando, 1958.
           
            Com os anos tenho aprendido que há muito mais coisas a se aprender na escola de educação infantil do que eu poderia imaginar. A verticalização dos conhecimentos sobre esta etapa da educação básica, bem como as pesquisas sobre criança, cultura e infância têm contribuído para amenizar o efeito de anos de uma educação infantil assistencialista, compensatória e pré-escolarizante.
            Estamos caminhando para uma concepção de pedagogia da infância que respeita as especificidades das crianças, compreendendo-a como sujeito histórico e social, portadora de desejos e produtora de cultura. À luz do paradigma acima descrito tenho sido diariamente convidada a perceber o mundo pelos olhos das crianças. No início pensei estar sofrendo de alguma enfermidade grave. Consultei minha analista, dobramos as sessões de análise, mas permaneci longe de qualquer resposta lógica e objetiva, tal como eu esperava.
            Em busca de uma cura milagrosa para minha doença, pensei em remédios, tomei floral, fiz sessões de Reik, acupuntura e nada. Permaneci perturbada pela enxurrada de sensações, pela incansável disposição de brincar e pela crença ingênua na salvação da humanidade, assim como nos contos de fada. Hoje, ao ouvir a leitura de um texto de Rubem Alves, no qual ele narrava a situação de uma paciente que, como eu acreditava estar louca, pude então compreender que o mal que me acomete está nos olhos. Descobri que tenho andado com olhos de criança!
            De repente o tempo do relógio tornou-se inimigo, as tardes depois da chuva se converteram em amantes, as brincadeiras com água, barro e folhas, as melhores amigas, os livros, grandes companheiros, as rodas de conversa, um desafio, a escrita do nome, uma conquista, o reconhecimento das letras, uma surpresa, a curiosidade, a companheira, um sorriso, uma dádiva divina.
            Desvendado o enigma de meu mal, inicio a busca pela cura ao contrário. O estado em que me encontro é tão benéfico que quero permanecer louca.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Professor de educação infantil troca ou não troca?



Candido Portinari, Menino de Brodowski, 1946.

             Para os educadores de infância existem muitas arestas a serem polidas para que o tão sonhado encontro entre cuidado e educação se torne realidade. Passados 75 anos da educação infantil na cidade de São Paulo ainda se fazem ouvir as dissonâncias entre cuidar e educar. O binômio instaurado em 1998 através do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil atenta para a necessidade da integração entre esses dois pólos, os quais estiveram opostos por muitos anos no campo da educação infantil.
            A profissionalização da carreira do magistério e a conseqüente negação da prática da maternagem  repelem alguns fazeres (inerente ao ato de cuidar), um destes casos é a troca. E seguindo a idéia de que quanto mais perto da criança menor o valor da função (e do salário também) conforma-se  a seguinte questão: professor de educação infantil troca ou não troca?
            A discussão é acirrada e não raramente encontramos equipes escolares inteiras se digladiando para decidir quem é aquele que vai por a mão na m.... Outras mais tecnológicas apelam ao telefone para informam à família de que devem buscar a criança na escola, dada a impossibilidade de solucionar o “im – previsto”. E enquanto isso, a criança molhada e envergonhada espera por uma boa alma que possa fazer o serviço sujo, ou melhor, limpo.
            Os desencontros entre cuidado e educação se legitimam e eu sigo com minha  questão: professor de educação infantil troca ou não troca?